Sempre amei teologia, mas só descobrir a poesia agora depois dos meus 29 anos. Que pena! Quanto tempo perdido! Junto com a teologia, a poesia é uma das minhas maiores fontes de alegria e sabedoria. Mas acho que não sou poeta. Ainda não. Estava certo Bachelard: "Os poetas nos dão uma grande alegria de palavras..." Mas não precisa ser poeta pra ler poesia, basta gostar das palavras. Aí eu lhe pergunto: Você ler poesia? Se não ler, então vou lhe ajudar a começar. Troque os imbecís programas de televisão pela poesia. Mas você pode me dizer: "Iran eu não consigo entender poesia! Isso é ótimo! Eu também não entendo. Mas quem disse que é preciso entender? Rubens Alves tinha razão: "Somente os tolos pensam entender a poesia!" Leituras como Matemática, Quimica, Física,Geometria sim, essas precisam ser entendidas, mas Poesia? Poesia não. Poesia não é para ser entendida. Ela é para ser vista. Ler um poema é como contemplar a natureza! A gente não precisa entender o pôr do sol, uma noite enluarada, uma nuvem no horizonte, uma arvore frondosa, a brisa do mar. Basta ver. Não precisa entender. Então, estou pensando que poesia é pra gente como nós. Sei que não o convenci, mas se resolver aventurar-se nesse mundo mágico, vai aí umas dicas: Cecília maireles, Fernando Pessoa, Machado de Assis, Adélia Prado,Manoel de Barros, Mário Quintana e é claro - Rubens Alves. E, quando você ler e não entender nada, não fique triste. Você não estará sozinho. Eu estarei aqui.




METADE
Oswaldo Montenegro

Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio

Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca
Porque metade de mim é o que eu grito
Mas a outra metade é silêncio.

Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza

Que a mulher que eu amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante
Porque metade de mim é partida
Mas a outra metade é saudade.

Que as palavras que falo
Não sejam ouvidas como prece e nem repetidas com fervor
Apenas respeitadas
Como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimento
Porque metade de mim é o que ouço
Mas a outra metade é o que calo

Que essa minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que eu mereço
E que essa tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada
Porque metade de mim é o que penso
E a outra metade um vulcão.

Que o medo da solidão se afaste
E que o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável
Que o espelho reflita em meu rosto um doce sorriso que eu me lembro ter dado na infância
Porque metade de mim é a lembrança do que fui
E a outra metade não sei

Que não seja preciso mais que uma simples alegria
Pra me fazer aquietar o espírito
E que o teu silêncio me fale cada vez mais
Porque metade de mim é abrigo
Mas a outra metade é cansaço

Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é platéia
E a outra metade é a canção

E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.


É PRECISO NÃO ESQUECER NADA

Cecília Meireles


É preciso não esquecer nada:


nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.

É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.

O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.

O que é preciso esquecer é o dia carregado de atos,
a idéia de recompensa e de glória.

O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos
severos conosco, pois o resto não nos pertence.


RETRATO
Cecília Meireles

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.


Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.


Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?

QUEM MORRE?
Martha Medeiros

Morre lentamente
Quem não viaja,
Quem não lê,
Quem não ouve música,
Quem não encontra graça em si mesmo

Morre lentamente
Quem destrói seu amor próprio,
Quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente
Quem se transforma em escravo do hábito
Repetindo todos os dias os mesmos trajeto,
Quem não muda de marca,
Não se arrisca a vestir uma nova cor ou
Não conversa com quem não conhece.

Morre lentamente
Quem evita uma paixão e seu redemoinho de emoções, Justamente as que resgatam o brilho dos
Olhos e os corações aos tropeços.

Morre lentamente
Quem não vira a mesa quando está infeliz
Com o seu trabalho, ou amor,
Quem não arrisca o certo pelo incerto
Para ir atrás de um sonho,
Quem não se permite, pelo menos uma vez na vida, Fugir dos conselhos sensatos...

Viva hoje !
Arrisque hoje !
Faça hoje !
Não se deixe morrer lentamente!



QUEM JÁ PASSOU PELA VIDA
Vinícius de Moraes

Como dizia o poeta

Quem já passou por essa vida e não viveu
Pode ser mais, mas sabe menos do que eu
Porque a vida só se dá pra quem se deu
Pra quem amou, pra quem chorou, pra quem sofreu
Ah, quem nunca curtiu uma paixão nunca vai ter nada, não
Não há mal pior do que a descrença
Mesmo o amor que não compensa é melhor que a solidão
Abre os teus braços, meu irmão, deixa cair
Pra que somar se a gente pode dividir
Eu francamente já não quero nem saber
De quem não vai porque tem medo de sofrer
Ai de quem não rasga o coração, esse não vai ter perdão
Quem nunca curtiu uma paixão, nunca vai ter nada, nã



QUEM?
Marcília de Andrade

Quem um dia decidiu que o mundo estava errado?
Quem viu o sol brilhar mas preferiu ficar deitado?
Quem nunca sentiu medo e abraçou o travesseiro?
Quem fez compromissos e não saiu o dia inteiro?
Quem estava gripado mas bebeu água gelada?
Quem acordou tarde porque deitou de madrugada?
Quem teve um segredo e não conseguiu guardar?
Quem gostava de uma música que não sabia cantar?
Quem recebeu um abraço na hora da despedida?
Quem já prometeu amar alguém pro resto da vida?
Quem pensou numa rima e inventou uma canção?
Quem já perdeu um amor e entrou em depressão?
Quem se trancou no quarto e chorou até dormir?
Quem nunca se sentiu feliz mas não deixa de sorrir...


DISCURSO
Cecília Meireles

E aqui estou, cantando.

Um poeta é sempre irmão do vento e da água:
deixa seu ritmo por onde passa.

Venho de longe e vou para longe:
mas procurei pelo chão os sinais do meu caminho
e não vi nada, porque as ervas cresceram e as serpentes
andaram.

Também procurei no céu a indicação de uma trajetória,
mas houve sempre muitas nuvens.
E suicidaram-se os operários de Babel.

Pois aqui estou, cantando.

Se eu nem sei onde estou,
como posso esperar que algum ouvido me escute?

Ah! Se eu nem sei quem sou,
como posso esperar que venha alguém gostar de mim?


FERNANDO PESSOA

Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas ...

Que já têm a forma do nosso corpo ...
E esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos
mesmos lugares ...

É o tempo da travessia ...
E se não ousarmos fazê-la ...
Teremos ficado ... para sempre ...
À margem de nós mesmos...

CRÔNICA - RUBENS ALVES


Não se pode ensinar as delícias do amor com aulas de anatomia e fisiologia dos órgãos sexuais. Se assim fosse o livro “Cântico dos Cânticos”, das Sagradas Escrituras, nunca teria sido escrito. Não se pode ensinar o prazer da leitura com aulas sobre as ciências da linguagem. O conhecimento da gramática e das ciências da interpretação não fazem poetas. Noel Rosa sabia disso e cantou: “Samba não se aprende no colégio…”

Tomei o livro de poemas de Robert Frost e li um dos seus mais famosos poemas. “Os bosques são belos, sombrios, fundos. Mas há muitas milhas a andar e muitas promessas a guardar antes de se poder dormir. Sim, antes de se poder dormir.” Li vagarosamente. Porque cada poema tem um andamento que lhe é próprio. Como na música. Se o primeiro movimento da “Sonata ao Luar”, de Beethoven, que todos já ouviram e desejam ouvir de novo, “adagio sostenuto”, fosse tocado como “presto”, rapidamente – exatamente as mesmas notas! - a sua beleza se iria.

Ficaria ridículo. Porque o “presto” é incompatível com aquilo que o primeiro movimento está dizendo. O tempo de uma peça musical pertence à sua própria essência. Eu até já sugeri que os escritores imitassem os compositores que, como medida protetora da beleza, colocam, ao início de uma peça, uma informação sobre o “tempo” em que ela deve ser tocada: grave, andante, vivace, mestoso, allegro. Cada texto literário tem também o seu próprio tempo. Há textos que devem ser lidos ao ritmo de uma criança pulando corda e dando risadas. Como o poema da Cecília “Leilão de Jardim”: “ Quem me compra um jardim com flores? Borboletas de muitas cores, lavadeiras e passarinhos, ovos verdes e azuis nos ninhos?” O poema inteiro é marcado por essa alegria infantil, saltitante. Quando se passa para a sua “Elegia”, escrita para a sua avó morta, o clima é outro. Há uma tristeza profunda. Há de se ler lentamente, com sofrimento: “Minha primeira lágrima caiu dentro dos teus olhos. Tive medo de a enxugar: para não saberes que tinha caído.”

Li vagarosamente. O poema pede para ser lido vagarosamente. Terminada a leitura não me atrevi a dizer nada. É preciso que haja silêncio. A música só existe sobre um fundo de silêncio. É no silêncio que a beleza coloca os seus ovos. É no silêncio que as palavras são chocadas. É no silêncio que se ouve aquela outra voz mencionada por Fernando Pessoa, voz habitante dos interstícios das palavras do poeta. (Por isso fico profundamente irritado quando alguém fala enquanto a música é tocada. É como se estivesse a ver uma partida de futebol enquanto se faz amor…). Passados alguns momentos de silêncio (como o silêncio que existe entre os dois movimentos de uma sonata) pus-me a ler o mesmo poema de novo, com a mesma música. E aí, então, no silêncio que se seguiu à segunda leitura, ouvi um soluço no fundo da sala. Uma jovem chorava. Jamais me passaria pela cabeça que ela estivesse chorando por causa do poema. Embora ele me comova muito, minha comoção nunca chegou ao choro. Pensei que se tratasse de um sofrimento de sua vida privada. Diante de um soluço tudo pára. Agora o que importava não era o poema, era aquele soluço. “Que aconteceu?”, perguntei. “Não sei, professor. Esse poema me deu uma tristeza imensa”. Eu quis entender: “Mas o que, no poema, lhe deu tristeza?” “Não sei professor. Só sei que esse poema me faz chorar…”

Lembrei-me de Fernando Pessoa: “… e a melodia que não havia, se agora a lembro, faz-me chorar.” Grande mistério esse: é o que não há que provoca o choro. Como disse Valéry, vivemos pelo poder das coisas que não existem. Por isso os deuses são tão poderosos… (Essa jovem, que assim me marcou de forma inesquecível, pouco tempo depois morreu num desastre de carro. Espero que ela, no outro mundo, tenha visitado os bosques “belos, sombrios e fundos” de Robert Frost).

Houve beleza e mistério porque eu não me meti a interpretar o poema. E, no entanto, a interpretação de textos parece ser uma das obsessões dos programas escolares. Se o meu propósito fosse interpretar o poema de Frost, para aproveitar o tempo eu o teria lido um pouco mais depressa, teria desprezado o silêncio e não teria repetido a leitura. Essas coisas nada tem a ver com a interpretação. A interpretação acontece a partir daquilo que está escrito, se devagar ou depressa não importa. Minha primeira pergunta teria sido: “O que é que Robert Frost queria dizer?” Toda interpretação começa com essa pergunta. É a pergunta que surge numa zona de obscuridade: há sombras no texto. O intérprete é um ser luminoso. Não suporta sombras. Ele trás então suas lanternas, suas idéias claras e distintas, e trata de iluminar os bosques sombrios… Não percebe que ao tentar iluminar os bosques, dele fogem as criaturas encantadas que habitam as sombras. Esquecem-se do que disse Bachelard: “Parece que existe em nós cantos sombrios que toleram apenas uma luz bruxoleante…” O inconsciente é um bosque sombrio… ( Mês que vem continuamos a conversa…)


O QUASE
Luiz Fernando Veríssimo

Ainda pior que a convicção do não, e a incerteza do talvez, é a desilusão de um quase.
É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi.Quem quase passou ainda estuda, quem quase morreu ainda está vivo, quem quase amou não amou.
Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos, nas chances que se perdem por medo, nas idéias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no outono.
Pergunto-me, ás vezes, o que nos leva a escolher uma vida morna; ou melhor, não me pergunto, contesto.A resposta eu sei de cor, está estampada na distancia e frieza dos sorrisos na frouxidão dos abraços, na indiferença dos “Bom Dia” quase que sussurrados.
Sobra covardia e falta coragem até para ser feliz.
A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai.Talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor, mas não são.
Se a virtude estivesse mesmo no meio termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza.O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si.
Não é que fé mova montanhas, nem que todas as estrelas estejam ao alcance, para as coisas que não podem ser mudadas resta-nos somente paciência, porém, preferir a derrota prévia á duvida da vitória é desperdiçar a oportunidade de merecer.
Pros erros há perdão; pros fracassos, chance; pros amores impossíveis, tempo.De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma.Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance.Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando porque embora quem quase morre está vivo, quem quase vive já morreu.